1 de fevereiro de 2018 Maria Inês Assumpção Fernandes

 
Paul Virilio (1932- ) dizia, há mais de quinze anos, que, “após a revolução industrial marcada pela estandartização, a revolução da informação nos conduz em direção à sincronização. É a rapidez das trocas e o tempo quase simultâneo que dominam a vida social”.[1]

A análise de Virilio põe em foco, no cenário contemporâneo, os efeitos da velocidade sobre as transformações da informação, da economia, das relações e trocas sociais, do espaço urbano e, de modo tangencial, nos remete ao Manifesto futurista de 1909 no qual, há um século, destacava-se a ruptura radical que a energia da máquina, a velocidade, introduzia na modernidade.

Com a contração do tempo pela velocidade, em realidade, celebrava-se, também, o amor pelo perigo e, como o futurista Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) já pressentia, instalava-se também a violência nos domínios da vida cotidiana. A existência do homem começa a ser regulada pelo tempo da urgência e do instantâneo – no trabalho, na circulação pelas cidades, no consumo.

Se a velocidade acompanhou os tempos da modernidade, atualmente, a hipermodernidade evidencia um tempo de excesso de velocidade. Se a sincronização acompanhava a consolidação das instituições e permitia a experiência de continuidade psíquica, na hipermodernidade a sincronização se dá sobre o tempo intemporal das mídias, que veiculam informações em tempo real, dos games digitais – no espaço virtual, das redes sociais ─ intangíveis.

A velocidade perturba nossa concepção de tempo e nossas temporalidades psíquicas e sociais afetando nossa vida institucional. O ritmo de vida se transforma, as relações familiares exigem mudanças, o trabalho pede rapidez e eficácia.

Enfraquece-se a experiência, pois o tempo das consciências é capturado e torna-se alvo de exploração pelos mecanismos de urgência de consumo. Não há tempo para a reflexão: “exige-se o reflexo condicionado em detrimento da reflexão em comum”, dizia Virilio. A permanência é atraso; o passado é atacado e a obsolescência se manifesta como um “fenômeno social global” que abrange da ética à política, da ciência à estética. Assim, também os valores morais são substituídos antes de novas formas de convivência e coexistência se formarem, de tal modo que é a própria vida ética que se encontra em questão, uma vez que valores requerem estabilidade e duração no tempo. Nesse contexto aloja-se a ideologia da inovação.[2]

Esse quadro tem sido analisado por filósofos e psicanalistas preocupados com as implicações institucionais e as incidências subjetivas desse processo de aceleração, principalmente no que se refere à confrontação das passagens genealógicas e aos processos de transmissão. Por essa análise evidenciam-se os efeitos de mutações do laço social, que se configuram por uma economia narcísica totalitária destinada a anular o reconhecimento da alteridade e, portanto, a atacar o pacto social. A tendência anti-histórica das instituições, aliada à dificuldade de os sujeitos se inscreverem numa temporalidade histórica, por força dessa hipertrofia narcísica, potencializa a dimensão mortífera e assassina inerente à questão genealógica.

É nesse embaraço dos tempos que o mal-estar se acomoda. Pelo fetiche do passado, no filicídio, ou pela sacralização do novo, no parricídio, exibem-se as novas figuras paradigmáticas da destruição da temporalidade nas instituições. Rapto de legitimidade que ataca a memória e faz desmoronar a transmissão.[3]

 
Notas:

[1] Cf. Virilio, Paul. On ne Regarde plus les Étoiles, mais les Écrans. Le Monde de L’Éducation. Paris, n. 287, dezembro 2000.
[2] Cf. Matos, Olgária. Aceleração do tempo e pós-democracia. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados – IEA-USP, 2014. (Grupo Interdisciplinar de Estudos em Humanidades e Artes). Projeto.
[3] Cf. Kaës, René et al. Crises et Traumas à l’Épreuve du Temps. Paris: Dunod, 2015.

 
Imagem: Salvador Dali | A persistência da memória | Espanha | 1931 | óleo sobre bronze

Maria Inês Assumpção Fernandes é professora titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), com tese de livre-docência sobre Mestiçagem e Ideologia (2004). Docente desde 1977 no IPUSP, atuando na graduação e na pós-graduação, desenvolvendo projetos de pesquisa e extensão nas áreas de saúde mental, processos coletivos, grupais e institucionais, nestes últimos considerando-se famílias e casais, também coordena o Laboratório de Estudos em Psicanálise e Psicologia Social (LAPSO).