7 de outubro de 2015 Mariana Oliveira

 
As diversas sensações provocadas pelos estados de isolamento e exposição, característicos do mundo contemporâneo, estão bastante presentes no documentário Edifício Master (BR, 2002, 110’, color.) do diretor Eduardo Coutinho (1933-2014). A obra, que apresenta relatos de 37 moradores de um edifício com 276 apartamentos localizado no bairro de Copacabana, não entrega conclusões, mas faz refletir a respeito dos encontros e desencontros típicos de grandes cidades.

As cenas dos corredores escuros quase sempre vazios e do elevador com pessoas cabisbaixas servem como respaldo para uma sensação de desconforto perante o outro que muitos entrevistados mostraram sentir. Incômodo esse que pode ser provocado tanto pela falta, como retrata José Carlos ─ “Nós [os moradores] nos trancamos no apartamento e só temos notícia de que morreu um vizinho quando ele some” ─, quanto pela presença, como exemplifica Daniela ─ “Eu sei que pode ser feio, mas eu, muitas vezes, fico contente quando subo e desço no elevador sozinha. Não porque não vou perder tempo parando num andar, mas porque eu sei que não vou ter que ver e nem ser vista”.

Também Cristina, em sua entrevista, mostra buscar certo distanciamento, tanto em relação ao bairro de Copacabana ─ “Tem dias que, antropologicamente, eu acho tudo muito interessante, essa miscelânea e tal, mas acho que na grande maioria eu adoraria matar as pessoas que esbarram em mim, os ambulantes, o caos do trânsito” ─, quanto em relação ao condomínio ─ “O que me incomoda é o barulho, conviver com a vida das outras pessoas entrando pelo vão das janelas, dos basculantes”. A preocupação com esses ruídos é tamanha que a jovem diz tentar “passar para ele [o filho] que isso é errado”.

Por outro lado, ainda que a câmera e a equipe de produção sejam bastante intimidadoras, é interessante observar como, mesmo com uma possível preparação para a entrevista, os discursos dos moradores são construídos no momento da interação com o diretor, revelando fragilidades e contrariedades. A inserção desses lapsos da construção narrativa no documentário é uma das características que mais particularizam e dão valor à obra, uma vez que, ao introduzi-los, o diretor dá espaço à subjetividade do entrevistado.

Maria do Céu, por exemplo, se em um primeiro momento gargalha e se diverte ao contar histórias antigas do condomínio, depois, como quem parece mudar de ideia, aparece com o semblante sério e diz: “É, mas era uma baderna aqui […] Agora tá tudo em silêncio […]. Agora está melhor, está bem”. A entrevistada mostra-se bastante entusiasmada com a bagunça que se instalava no condomínio em outras épocas, ao mesmo tempo que demonstra estar satisfeita com a ordem atual.

Os corredores do Edifício Master abrigam silêncios provocados pelos mais variados motivos. Ali, opiniões conflitantes e gostos semelhantes convivem sem se conhecer. Cabe ao telespectador preencher esse espaço provocado pelo silêncio que, mesmo no meio de tantas falas, ecoa no documentário de Eduardo Coutinho, com risos, lágrimas ou aflições, seja por identificação, estranhamento ou ambos.

 
Imagem: Cultura no Divã | Sem título | São Paulo | 2015 | fotografia

Mariana Oliveira é aprendiz do curso de extensão cultural Subjetividade e Contemporaneidade: uma Leitura Psicanalítica da Cultura, em 2015, na SP Escola de Teatro, São Paulo.