9 de setembro de 2015 Karin de Paula

 
Em nossos atuais dias de clínica, o que podemos chamar de neurose não diz respeito ao conjunto de sintomas, como o foi nos primórdios da invenção da própria psicanálise. Ao contrário, podemos afirmar que uma neurose é a resposta possível a ser dada frente à dor e à satisfação de existir. Nessa perspectiva, a neurose é estruturante de um modo possível de viver.

Assim, as neuroses são, então, uma via do possível. Não muito asfaltada, mas em corpos: o do real da carne e o da carne da linguagem que a nomeia. Transformamos carne em palavra diariamente.

Da perspectiva de uma análise, voltar ao tema das neuroses em nossos dias é, então, o reconhecimento de que podemos interrogar os modos que já havíamos encontrado para sofrer e também viver na comunidade humana. Como transformamos corpo em palavra? Como a palavra nos transforma? Eis as questões prementes para a clínica concernentes às neuroses.

Uma análise é um sucedâneo de lutos. Lutos pelo que foi e pelo que não foi vivido, mas idealizado. Os lutos implicam realizar perdas, mas também apropriações do vivido.

Uma análise transcorre em ato. Podemos precisar: ato analítico, ou seja, um ato de linguagem, na linguagem e de corte. A função do analista é decisiva para engendrar esse campo de experiência, que de natural não tem nada. Trata-se de um artifício, de um dispositivo e, sobretudo, de uma transmissão. Transmissão é uma ideia afeita à palavra espirituosa (witz). Como quando conta-se uma piada: o que importa não está no texto, mas nas entrelinhas. É preciso sacar a piada para rir, é preciso que algo “passe”…

Neste contexto, pensar sobre a jornada de uma análise é o que está proposto e não a produção de explicações sobre o trabalhoso da existência.  O importante é como alguém vive. Afinal, a neurose é uma posição sexuada e é a partir disso que todo o problema, no sentido matemático do termo, começa. Assim, numa análise vamos adiante interessados no dizer e não no dito, na enunciação e não no enunciado, buscando o efeito “sujeito de desejo”.

O que é o efeito sujeito de desejo?  É o efeito que admite nossa incompletude, que deflagra e anui a falta de sentido e de objeto de nosso desejo, sempre contingente, sendo estas as condições de nos suportarmos como desejantes, portanto, faltantes, falantes.

É por esses terrenos que é proposto passar numa análise. Digo passar, por vários motivos, mas, entre estes, o de se tratar da particularidade do método, pois numa psicanálise a investigação e o tratamento são concomitantes. Numa análise o diagnóstico não é a resposta, mas o começo da pergunta e condição para o percurso.

O mundo contemporâneo é imperfeito, porém, sempre foi assim. Vivemos com “isso” – ou seja, com algo que não é passível de um nome específico que o recubra, mas de um “isso” que faz parte de nosso vocabulário, que usamos muito, para muitas coisas e ocasiões, a cada vez, a cada momento e a cada evento. As neuroses dizem respeito a um modo próprio formulado para fazer frente a este “isso” que também podemos chamar de inconsciente.

Retomar o tema das neuroses é relançar a questão do tratamento do sofrimento humano de uma perspectiva diferente, a de fazer avançar uma medida não normativa, mas da ordem do particular e legítimo de nossa condição de cultura, na qual há lei, que restringe coisas e também permite outras. “Isso” novo não é novo, mas é sempre um exercício, ao qual a psicanálise se presta: o da responsabilidade do desejo.

 
Imagem: Cultura no Divã | Sem título | São Paulo | 2015 | fotografia

Karin de Paula é praticante da psicanálise e professora doutora em Processos de Singularização pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP). Autora de Clínica psicanalítica das neuroses (Zagodoni, 2015), $em? Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa psicanálise (Casa do Psicólogo, 2001) e Do espírito da coisa: Um cálculo de graça ─ Sobre o percurso de uma psicanálise (Escuta, 2008), entre outros trabalhos.