26 de fevereiro de 2018 Cultura no Divã

A “temporalização da história”, ou o processo de constituição de um “tempo histórico”, se deu por volta do período de 1500 a 1800 e caracteriza o que conhecemos como o início dos tempos modernos. Mais especificamente, tal experiência se institui no momento em que, retirado das mãos divinas, o homem se apodera de seu próprio destino, consagrando-se à emergência de uma história humana, independente da história sacra. Assim, o tempo histórico está associado, como sugere Reinhart Koselleck (1923-2006), à ação social e política, a homens concretos que agem e sofrem as consequências de ações, a suas instituições e organizações.

Neste número inaugural, a Revista Cultura no Divã Relações contemporâneas entre psicanálise e cultura (ISSN 2446-8282), na tentativa de circunscrever, identificar, descrever, hipotetizar, enfim, por intermédio de uma leitura psicanalítica, o cotidiano de nosso tempo histórico em sua íntima obscuridade – para lembrarmos o filósofo italiano Giorgio Agamben (1942- ) –, se defrontou, fundamentalmente, com uma interrogação de base, em última instância, bastante simples, à qual devemos atentar.

Se a temporalização da história trouxe consigo uma forma inerente de aceleração característica da modernidade, então associada também ao perigo, o excesso de velocidade exibido na hipermodernidade, acrescido à presença de uma violência que aponta para uma dimensão limítrofe entre o humano e o não humano, as consequências que hoje experimentamos no que concerne às incidências subjetivas, aos processos de constituição dos sujeitos e ao enfraquecimento dos laços sociais não são poucas, nem simples. Fundamentalmente porque ao abreviar os campos da experiência, por meio de um tempo que se acelera a si mesmo, sua continuidade lhes é roubada, atingindo de maneira intensa e, por vezes, traumática os processos de transmissão geracional.

Como aponta Koselleck, “o tempo que assim se acelera a si mesmo rouba ao presente a possibilidade de se experimentar como presente, perdendo-se em um futuro no qual o presente (é) tornado impossível de se vivenciar”.[1] Talvez por isto, no contemporâneo, somos confrontados com interrogações que dizem respeito ao lugar possível para o desejo, para as fantasias, para o laço social. Trata-se, afinal, do psicanalista em face da subjetividade de seu tempo.

Nota:

[1] Koselleck, Reinhart. (1979) Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução: Wilma Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto/ PUC-Rio, 2006, p. 37.

Imagem: Cultura no Divã | Editorial # 1 | São Paulo | 2018 | fotomontagem

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