15 de julho de 2015 Elaine Armenio

 
Em maio de 2014, a artista plástica Deborah Robertis (1984-) realiza, no Museu d’Orsay, em Paris, uma performance em frente ao quadro de Gustave Courbet (1819-1877), A origem do mundo (1866). Ela entra na sala 20, vestido dourado, senta-se diante do quadro, ergue o vestido e expõe a vulva abrindo-a com os dedos para que o orifício da vagina seja visível. Ao mesmo tempo, ouve-se uma gravação em que fala as seguintes frases ininterruptamente: “Eu sou a origem. Eu sou todas as mulheres. Você não me viu. Eu quero que você me veja e tome conhecimento de mim. Virgem como a água. Criadora do esperma”. Como fundo musical dessa mesma gravação, a Ave Maria (1825), de Franz Schubert (1797-1828).

A artista diz que seu trabalho não é uma reprodução simples e banal do quadro de Courbet, mas sua ampliação. Pois ela abre a vagina para mostrar o que chama de olho do sexo. E continua: “Eu não mostro o meu sexo, mas revelo o que não é visto na tela de Courbet, o olho do sexo, que é o buraco negro, esse olho enterrado, nada, que além da carne encontra o infinito insustentável, a origem da origem”. Quanto à Ave Maria de Schubert, diz que com ela procura agir tão criticamente como de forma transcendental.

Inicio aqui com essa performance para evidenciar os caminhos que tem tomado a arte contemporânea. No quadro de Courbet, temos uma representação, realista, mas ainda assim uma representação. É uma tela pintada a óleo. Podemos supor que qualquer trabalho artístico também tem lugares onde pulsa o inominável, lugares de real. Mas na arte contemporânea, não há mais um quadro. A artista e seu corpo são a tela, o pincel e a tinta da pintura, o mármore e o cobre da escultura.

O trabalho de Deborah é uma performance, gênero artístico que começa com força a partir dos anos 1960 e 1970, em que a obra não fica mais circunscrita a uma tela de pintura ou a uma escultura.

As artistas fazem da performance uma outra forma de falar da mulher e do feminino que não da perspectiva masculina. Desconstroem concepções imaginárias e tradicionais sobre a mulher e o seu corpo. É na arte que apostam convictamente os movimentos feministas: é uma forma de as mulheres reagirem contra as concepções tradicionais e os estereótipos que a cultura costuma propagar a seu respeito.

É o corpo da mulher sem anteparo, o corpo real sem véus representativos que se torna o centro das reflexões das artistas. Um discurso em ação que provoca e protesta. As performances também trazem trabalhos que transgridem a moral sexual monogâmica e heterossexual. Muitos abordam a discussão sobre gênero e quebra dos parâmetros sexuais da dita normalidade, evidenciando os movimentos gays, o travestimento, a transexualidade e outras modalidades do sexual.

Mas são os artistas da body art que trazem uma radicalidade incontornável na apresentação de seus trabalhos. Se na performance, como gênero artístico, o corpo do artista faz parte, encena a performance, na body art, a arte incide diretamente sobre o corpo do artista. Em muitos trabalhos há violência, exposição de partes e de fluidos corporais, ações destrutivas contra o próprio corpo que extrapolam limites.

Nessa arte é como se o corpo fosse desentranhado das malhas do simbólico e jogado no real sem qualquer véu. Há uma literalidade da dor que promove no espectador um contato com o outro radical: a morte. Como forma de evocar o real sem a ilusão de qualquer sublimação do olhar, de fazer existir o real com a presença pulsante do desejo, de tornar presente a condição do traumático e do sublime.

 
Imagem: Marta Soares | Vestígios | [s. l.] | 2011

Elaine Armenio é psicanalista. Autora de “As palavras, o sonho e a escrita sensível”. Percurso: Revista de Psicanálise, São Paulo, n. 26, p. 79-84, 2001, e “A estética da magreza”. In: Alonso, Silvia L.; Breyton, Daniele Melanie; Albuquerque, Helena (Org.). Interlocuções sobre o feminino na clínica, na teoria, na cultura (Escuta, 2008).